domingo, 20 de setembro de 2015

Fomos, somos e seremos arraianos

Momento em que o Arraiano Maior começou o exercício da responsabilidade. 
A sua primeira medida foi compartilhar o poder da aguilhada com o conjunto dos premiados
 e com representantes da entidade organizadora  


Isaac Alonso Estraviz (*) 


Muito obrigado, caros amigos, por este reconhecimento que me enche de alegria. Senti sempre um grande orgulho de ter nascido nesta terra à que quero e amo apaixonadamente. Uma terra com tantas idílicas paisagens e a língua mais bela e rica das derivadas do latim!!! Nestes montes as nossas gentes ainda continuam a falarem quase como os latinos que cá estiveram!!! Somos uns privilegiados com o grande tesouro cultural e linguístico que nos legaram os antepassados. Foram muitos séculos de menosprezo e colonialismo. Ainda hoje querem varrer-nos do mapa. Mas tudo está a mudar e nós devemos lutar com paixão para que a nossa língua e cultura floresçam como em tempos passados.

Quando era criança ouvi muitas vezes a meu pai dizer, ao vir o vento do oeste, “sopra dos mistos”. Nunca soube de que se tratava. Hoje sei que estava a falar do Couto Misto. Pena que os governos espanhol e português estragassem uma autêntica república popular. Aos doze anos deixei Vila Seca por Usseira. Com 23 anos voltei uns dias. Com 24 obrigaram-me a abandonar Galiza. Era o 26 de outubro de 1960. Às 7’30 passávamos da Galiza às Asturias, vendo um sol-pôr estupendo desde a ria. À uma da manhã passávamos polos picos de Europa e às 3’30 do 27 chegávamos a Viaceli.

No 1973, estando em Madrid, viajei por terras andaluzas e entrei em Portugal por Vila Real de Santo António. Percorri Portugal até ao norte. A partir de aí foram inúmeras as vezes que andei por terras portuguesas marcando cada ano o terreno a percorrer nas férias de verão. Desde então comprovei, sempre, que o povo português é o povo mais humano, mais social e mais serviçal do mundo. Sempre constatei que os portugueses são galegos aperfeiçoados e nesse país sempre me senti completamente à vontade.

Por volta de 1980 decidi ir a Chaves e levar comigo meu sobrinho Manolo. Ele ia muito contente porque era a primeira vez que ia ao estrangeiro e ouviria novas falas. Cada certo tempo perguntava-me quantos quilómetros faltavam para a raia. Uma vez passada, e depois de termos andado bastante, perguntava-me quando chegavámos ao estrangeiro. Eu respondi que levávamos já bastantes quilómetros e ele “mas se tudo continua a ser o mesmo”. Depois em Chaves estivemos nas lojas, nos bares... ele falando com todo tipo de pessoas e elas com ele sem necessidade de mudar nada no seu falar. À volta, seu pai perguntou-lhe como se entendera com os portugueses e ele respondia: “mamãe, papãe, os portugueses falam como nós, os portugueses falam como nós”. Por certo comprara uns colares e umas campainhas para as vacas das melhores que se viram em Vila Seca.

No ano 1985 José Paz e eu paramos em Ponte de Lima. Demos uma volta polo passeio de árvores à beira do rio e encontramos duas meninas encantadoras, Guida e Olga. Falamos-lhe do entrudo, dos maios, da Galiza, de tantas cousas... A Guida disse-nos que tinham uma professora vinda do Porto que lhes falava todos os dias da Galiza. Perguntamos se tinham visitado a nossa terra. A resposta delas foi “Quem dera!!!”. Amavam apaixonadamente a nossa terra e a nossa cultura ainda sem a conhecer pessoalmente. A minha saudade levou-me novamente a percorrer quilómetros e quilómetros: Amarante, Chaves, Boticas (bebendo aquele inesquecível vinho dos mortos), Curalha, Carvalhelhos, Montalegre, Jurês, este paraíso terrenal, Braga, Barcelos, Póvoa de Varzim, Vidago, Pedras Salgadas, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar, Ribeira de Pena (onde alunos galegos e portugueses compartiram tudo, chegando num momento dado a eleger uma nova câmara municipal onde uma portuguesa ficou eleita presidenta da câmara e um galego vicepresidente). Para eles a raia estava só na cabeça dos maiores. Logicamente temos andado muito polo Porto, também por Barcelos, Praia de Esposende, Coimbra, Figueira da Foz, Foz Coa, Torre de Moncorvo.... 

Indo uma vez para Castro Leboreiro José Paz, Manuela Ribeira e eu, chegamos a descobrir naqueles enormes penedos o corpo e as faces dos mais ilustres pessoeiros da geração nós: Otero Pedrayo, Vicente Risco... e o mais rico jazigo de mamoas e dólmens em território galegoportuguês, e pessoas, como os professores Américo Rodrigues e José Domingues, de fala local mais da parte de cá da raia do que do chamado português oficial.

Polos anos oitenta percorremos quase todo o norte português, deixando em cada lugar umas frases: 30 de janeiro de 1986, na Praça da Galiza de Viana do Castelo, no monumento a Castelão, “A nossa língua floresce em Portugal” Castelão; o 17 de maio de 1986 em Braga, na Casa dos Crivos, “A nossa língua floresce em Portugal” Castelão; o 2 de agosto de 1986 em Vila Nova de Cerveira, na mesma lápide: “A nossa língua floresce em Portugal” Castelão e “A minha pátria é a língua portuguesa” F. Pessoa; o 27 de setembro de 1986 em Arcos de Valdevez, em lugar de uma placa cravada numa pedra, fez-se um monólito subindo por um lado água e descendo polo outro, com as as frases de Castelão (Sempre em Galiza)e Pessoa do Livro do Desassossego e outras duas mais, uma de Antom Vilar Ponte “Quem não ama Portugal, não ama a Galiza” (Pensamento e sementeira) e outra do escritor português António Ferreira “Floresça, fale, cante, ouça-se e viva a portuguesa língua”; seguidamente as mesmas frases no Pórtico da Cãmara municipal de Ponte da Barca o 15 de março de 1987; o 13 de junho de 1987 na Casa da Cultura de Vila Verde; finalmente, teve lugar a mesma homenagem numa rocha de uma das entradas ao Castelo de Guimarães... 

Numa das minhas viagens por terras portuguesas, atravessei uma ponte sobre o rio Beça. Olhando atentamente para aquela lindíssima ponte observei como uma menina vinha com umas chancas penduradas do ombreiro e caminhando descalça. Quando acomodou as vacas à beira do rio e começaram a pastar, a menina pôs-se alegremente a cantar. Com esta anedota, real, comecei em 1987 na Corunha, perante um júri bastante contrário às minhas ideias linguísticas, a minha intervenção do chamado “encerramento”. 

Nunca usei boina, aguilhada sim. Mas como eu e os nossos touros nos entendíamos perfeitamente de jeito a ir muitas vezes a cavalo deles e o mesmo acontecia com as ovelhas e os carneiros, que me seguiam fielmente, não precisei fazer uso dela. Logicamente, hoje é um simples símbolo.

Fomos, somos e seremos arraianos. Comprometemo-nos solenemente a sermos transmissores deste património e legado aos nossos sucessores.


(*) Palavras de agradecimento do Arraiano Maior. O discurso foi pronunciado às 18:00 horas do día 19 de setembro de 2015 na capela da Nossa Senhora do Gerês em Lóvios.

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